Ryan Adams: o abuso inerente da cultura machista na indústria da música

Nathalia Nasser
8 min readJul 16, 2019

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Na última quarta-feira, 13, o jornal The New York Times publicou um artigo discutindo as alegações de conduta abusiva do cantor, compositor e produtor Ryan Adams, que atingiu o auge do seu sucesso nos anos 2000. O nome de Adams não é desconhecido na indústria fonográfica; pelo contrário, é vencedor de 7 Grammys, tem 16 álbuns lançados aos 44 anos, além de ser dono da sua própria gravadora e produtora (Pax-Am) — local onde a força da sua conduta inadequada e abusiva foi palco diversas vezes.

Da sua ex-esposa, a atriz e cantora Mandy Moore, 34, à uma jovem adulta, nominada pelo Times apenas como Ava, hoje com 20 anos, as acusações a Adams são extremamente parecidas, graves e comumente ouvidas na indústria do entretenimento, incluindo a fonográfica. Afinal de contas, o que há de novo em uma garota jovem e talentosa confiar totalmente em um homem mais velho, bem-sucedido, que vende perfeitamente a ideia de um grande conselheiro, amigo e profissional?

A conduta inadequada de Adams tange adultério, abuso sexual, verbal e psicológico, ameaças, obsessão-maníaca, além do crime de se envolver por cerca de três anos com uma adolescente de 14 que, posteriormente, desistiu de seguir a carreira na música. Na pesquisa de caso feita pelo Times, as denúncias chegavam de sete mulheres, e quase 15 pessoas associadas com relação aos abusos vindos de Adams. Depois da publicação do artigo, o número aumenta de sete para, pelo menos, dez. Ao acompanhar as redes sociais, é claro: as denúncias não param de chegar.

Ava

O Times investigou a comunicação entre Adams e Ava, que tinha na época 15 anos, envolvendo 3.217 mensagens, majoritariamente no ano de 2014. Adams questiona diversas vezes sobre a idade de Ava, a qual mentiu diversas vezes. O cantor afirmava que “estaria em sérios problemas se fosse descoberto que ambos conversavam da forma que ele induzia”, e se autocomparou com o R. Kelly, absolvido de 14 acusações de pornografia infantil, além de receber acusações de assédio sexual e verbal nos últimos 20 anos, todas expostas em um documentário de seis episódios, chamado Surviving R. Kelly.

Ava, que começou a tocar baixo aos 9 anos, entrou em turnê com a sua família aos 12 com contratos fechados para tocar em Manhattan. Por outro lado, em Ohio, sofria bullying no colégio — e por isso foi escolarizada em casa –, e tinha problemas de relacionamentos sociais. Aos 13 anos, seu pai faleceu. Um combo completo de uma garota talentosa e vulnerável na mesma medida extrema.

Foi através do Twitter que Ava teve seu primeiro contato com Adams. Ao ser seguida de volta pelo cantor, a adolescente enviou um cumprimento feliz e realizado ao ídolo. Segundo ela, “eu me sentia muito sozinha e ele sempre foi extremamente amigável e legal”. Não muito tempo depois, Adams fez diversos elogios sobre o talento imensurável de Ava, a convidou para que gravassem juntos. As conversas, claro, eram sempre induzidas a um contexto sexual.

Em novembro de 2014 foi quando a maior parte das mensagens foram trocadas, e principalmente onde o mais absurdo aconteceu: Ava tinha 16 anos e Ryan Adams, 40, enviava mensagens pedindo para que a mãe da baixista jamais soubesse que as conversas tinham tal conotação, nomeando suas partes corporais com apelidos e pedindo para que ela provasse sua idade mostrando sua identificação “da forma mais sexy já feita”. Ava alega também que, em um momento, concordou em fazer uma chamada por vídeo e, ao atendê-lo, Adams estava completamente nu.

A quem interessa, as leis nos Estados Unidos diferem de Estado para Estado, incluindo o que tange a lei de maioridade. Em Ohio, onde Ava morava, é crime solicitar, trocar ou possuir qualquer tipo de material que contenha um menor de idade (18 anos) induzindo qualquer tipo de atividade sexual. Em Nova York, onde Ryan Adams residia, a idade é de 17 anos. O Estatuto Federal, por sua vez, indica 18 anos como a idade mínima de um adulto. Conclusão básica: a conduta não era aceitável em nenhum cenário.

A comunicação entre os dois ia e voltava com frequência e, em determinado ponto, ao perceber que a relação esfriava, Adams retirou a Ava a oferta de gravar junto com ele em sua produtora. Segundo Ava, “a ideia de ser objetificado ou precisar dormir com alguém para conseguir espaço na música me tirou completamente a ideia de trabalhar com isso”, e assim o fez.

A força da Pax-Am

A gravadora e produtora da qual Ryan Adams era dono, a Pax-Am, tinha contrato assinado e era parceira de data da Capitol Music Group, um conglomerado importantíssimo na indústria que servia como porta de entrada para artistas novos, já que as turnês de Adams estavam sempre sold-out. A Pax-Am era uma referência para artistas emergentes: um local para fazer novos parceiros de negócios e ganhar reconhecimento no meio.

Phoebe Bridgers, cantora, compositora e instrumentista, tinha 20 anos em 2014, quando Adams a convidou para a Pax-Am para ensaiar e performar algumas músicas. Ele a comparou com Bob Dylan, afirmou estar “maravilhado com a performance que tinha visto ali” e pediu para que Bridgers voltasse no dia seguinte; quando, no mesmo estúdio, induziu a conversa com conotações sexuais. Foi quando ambos iniciaram um relacionamento, que seria breve, mas grandemente traumático.

A história com Bridgers se repete da forma que terminou com Ava e que já tinha sido repetida com Mandy Moore: ele ofereceu à música para que ela abrisse suas próximas datas de turnê. Mas, nas semanas seguintes, seu comportamento obsessivo, de novo, floresceu: Adams ameaçava suicidar-se caso Phoebe não respondesse suas mensagens imediatamente, a coagia a sair de eventos sociais para fazer chamadas de vídeo, além de insistir para que ela provasse frequentemente seu paradeiro. Ao decidir se separar do cantor, Adams rescindiu o pedido de que ela abrisse suas próximas datas de turnê.

Em 2017, ambos retomaram o contato em bases muito mais simplistas. Mais uma vez, Ryan ofereceu que Bridgers abrisse alguns shows na sua nova tour; o que, naquele momento, parecia perfeito para a cantora, que estava prestes a lançar seu debut album. Em uma das noites das apresentações, Ryan pediu para que Phoebe levasse a ele algo no seu quarto de hotel. Ao abrir a porta, ele estava, de novo, completamente nu. Nada de coincidência; só mais um comportamento padrão de um homem poderoso na indústria.

Os anos tristes de Mandy Moore

A atriz e cantora Mandy Moore conheceu Adams aos 23 anos, em 2007, quando Adams tinha 33. Moore estava no seu auge pop quando ele, em 2010, ofereceu ser seu próximo produtor. Nesse cenário, ele a convenceu a rescindir contrato com quaisquer outros produtores ou empresários: ele tomaria conta de sua carreira profissional.

“A música era um ponto de controle para ele”, disse Moore ao falar sobre a experiência de seis anos casada com Adams (2009–2016) sob atitudes controladoras e de manipulação, além do adultério, abuso psicológico e verbal.

O esforço para tomar controle da carreira musical de Mandy foi apenas por orgulho próprio. Ryan afirmava à esposa diversas vezes: “Você não é música porque você não toca instrumentos.”

A pausa para reflexão nesse momento é mais do que válida: quantas mulheres na indústria do entretenimento já não foram diminuídas por quem deveria tomar frente de seus trabalhos? Kesha passou os últimos 5 anos em uma briga judicial e emocional com Dr. Luke por abusos de anos; Lady Gaga foi estuprada aos 19 anos por um produtor, que estava a frente do seu trabalho; as irmãs HAIM descobriram acidentalmente que estavam recebendo 10x menos do que os artistas masculinos que seu empresário gerenciava — as mesmas eram ditas a “não balançar o barco”, porque isso só geraria problemas. Alice Glass decidiu deixar o Crystal Castles por ser abusada durante anos pelo seu parceiro de banda; Jackie Fuchs, baixista da formação original do The Runaways, foi estuprada por Kim Fowley em 1975 e deixou a vida na música e seguiu a carreira como advogada.

Quantas mulheres afinal foram perdidas no meio da indústria por predadores como Ryan Adams? Como John Lennon, R. Kelly, Dr. Dre, Tupac, Dr. Luke, entre tantos outros. Quantas outras mulheres serão privadas de uma carreira de sucesso?

De volta ao caso, o advogado de Ryan Adams posiciona a colocação de Mandy Moore como “completamente inconsistente com a visão de Adams sobre o relacionamento”. Jura?

“O comportamento controlador dele bloqueou minhas possibilidades de fazer novas conexões na indústria em um momento de reviravolta e de potencial lucro na minha carreira: meus 20 e poucos anos até meus quase 30.”

Outros tantos casos e o primeiro passo das investigações

A ex-noiva de Adams também coloca as exatas mesmas atitudes e comportamentos sobre o cantor: controlador, abusivo, obsessivo e maníaco. Com ela, também, Adams ameaçou suicidar-se na separação, a perseguiu por e-mails, telefone e mensagens depois do término e controlava todos os passos que tinha acesso.

Outras musicistas como Courtney Jaye e Karen Elson sofreram situações constrangedores e abusivas com o cantor.

No último dia 14, a FBI deu os primeiros passos para abrir uma investigação criminal contra Ryan Adams com relação à sua conduta com Ava. Com isso, o lançamento do seu próximo álbum, denominado “Big Colors”, previsto para abril, foi adiado.

Qual a forma correta de se desculpar?

O The New York Times passou, obviamente, a ser alvo de ódio do cantor, que foi corajoso (e rancoroso) o suficiente para postar um tweet — já deletado — ameaçando o jornal e seus editores:

Have valentine’s day, @nytimes. I know you got lawyers. But do you have the truth on your side? No. I do.
And you have run out of friends. My folks are NOT your friends.
Run you smear piece. But the legal eagles see you. Rats. I’m fucking taking you down. Let’s learn a bait.

Cristine Carter, socióloga do Great Good Science na Universidade da Califórnia, afirmou ao Times que “temos um ótimo e claro entendimento baseado em pesquisas do que faz um pedido de desculpas ser satisfatório. O pedido de Ryan Adams não atinge nenhum dos critérios nem de longe”.

As consequências de todos os lados

Algumas consequências já caíram na conta para Adams: a Benson Amps e a JHS Pedals cortaram contrato com o cantor e com a Pax-Am. Ambas as empresas divulgaram um breve posicionamento sobre as acusações, no qual alegaram não saber das situações; e agora, cientes dos acontecidos, não têm mais vínculo com o músico.

Para as vítimas, as consequências vêm em partes: mais e menos doloridas. Os próximos meses serão conturbados para cada uma das mulheres que decidiram se posicionar, principalmente para Ava, com apenas 20 anos. As acusações têm agora envolvimento da FBI que, esperançosamente, vão levar as denúncias até o ponto final que devem chegar.

Aos passos que podemos dar, é essencial que, cada vez mais, essas histórias — terríveis e doloridas — sejam contadas em voz altas pelas suas vítimas. A indústria do entretenimento é tomada pelo pensamento e comportamento sexista, e leva milhares de mulheres diariamente ao esgotamento físico e mental. É papel de todo e qualquer envolvido ser apoiador das vítimas e um suporte para chegarmos cada vez mais perto do fim de uma cultura opressora e violenta.

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Nathalia Nasser

Journalist. Full time britpop enthusiast. I like to learn some languages.